Poucas guerras foram tão curtas - e tiveram consequências tão amplas e duradouras.
Há 50 anos, entre 5 e 10 de junho de 1967, Israel enfrentou simultaneamente os exércitos de Egito, Síria e Jordânia. E impôs a todos uma derrota fulminante no conflito conhecido como a Guerra dos Seis Dias.
Foi uma transformação no xadrez geopolítico do Oriente Médio, com efeitos sentidos até hoje.
"A guerra transformou o Oriente Médio porque teve um impacto significativo no mundo árabe, em Israel e na atuação dos Estados Unidos na região", afirmou Kenneth Stein, professor de História do Oriente Médio e Ciência Política na universidade Emory, nos EUA.
"As sequelas prosseguem e ainda não conhecemos o resultado final", disse Stein à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
A primeira consequência evidente da guerra diz respeito a território: Israel multiplicou seu tamanho tomando a península do Sinai do Egito e as colinas de Golã da Síria. A Jordânia perdeu a Cisjordânia.
Segundo Stein, essa mudança no mapa do Oriente Médio em junho de 1967 foi a mais dramática desde 1916, quando França e Reino Unido fizeram a partilha da região no acordo secreto de Sykes-Picot.
A vitória rápida surpreendeu até os israelenses.
"Israel não tinha intenção de ir à guerra ou invadir países árabes. Seu objetivo era neutralizar o exército egípcio. As atas das reuniões do governo israelense durante a guerra mostravam a incerteza que havia sobre o que fazer com os territórios", diz o especialista americano.
Aniquilação
Em 1967, a percepção de um conflito iminente entre árabes e judeus estava no ar. Em 14 de maio, o presidente egípcio, Gamal Abdel Nasser, tinha mobilizado milhares de soldados na fronteira com Israel quando solicitou a retirada das forças de paz da ONU presentes na região desde 1957.
Oito dias depois, o Egito instituiu um bloqueio naval a Israel no estreito de Tiran, fechando o único acesso marítimo que o Estado judeu tinha ao mercado asiático, e sua rota de recebimento de petróleo por seu principal provedor à época, o Irã.
As decisões vieram com ameaças.
"Os exércitos de Egito, Jordânia, Síria e Líbano estão nas fronteiras de Israel, e atrás de nós estão as tropas de todo o mundo árabe. Assombraremos o mundo! Chegou a hora de agir", disse Nasser em discurso em 30 de maio.
O ministro da Defesa e futuro presidente da Síria Hafez al Assad anunciou sua disposição para o conflito. "Estamos com o dedo no gatilho. Chegou o momento para uma batalha de aniquilação."
Autor do livro Guerras justas e injustas, o filósofo americano Michael Walzer ressalta o contraste entre as expectativas antes da guerra e o conflito em si.
"O triunfo israelense foi tão extraordinário que jogou no esquecimento a ansiedade de semanas anteriores", escreveu.
Segundo Walzer, enquanto o Egito vivia uma febre bélica e a expectativa de vitória, o ânimo em Israel era completamente diferente: o pânico deixava vazias as prateleiras de supermercados e milhares de sepulturas foram cavadas em cemitérios militares à espera de soldados mortos.
Surpresa
Na manhã de 5 de junho, o premiê israelense, Levi Eshkol, ordenou um ataque aéreo surpresa em que 90% da Força Aérea egípcia foi destruída no solo. O mesmo se passou na Síria.
"Israel estava sendo estrangulado e precisava desatar o nó que tinha ao redor do pescoço", conta Stein.
Outra explicação para o ataque está na doutrina militar de Israel de levar conflitos ao território inimigo: uma guerra em Israel causaria uma enorme quantidade de baixas - seu território é pequeno e com alta concentração populacional.
Nathan Sachs, diretor do Centro de Políticas sobre Oriente Médio do Instituto Brookings, em Washington, ressalta que, embora Israel soubesse ter poder militar suficiente para derrotar os árabes, não podia permitir que as tensões se prolongassem demais.
"Israel era mais forte, mas apenas porque o país inteiro estava comprometido com o esforço de guerra. Precisava de enormes recursos para manter o alto nível de alerta. Então, havia limites para o quanto podia sustentar essa situação. A economia inteira tinha sido mobilizada para responder às ameaças", diz Sachs.
Bravatas?
Alguns analistas acreditam que, apesar dos indícios de que um ataque árabe era iminente, Nasser não tinha intenções de iniciar uma guerra, mas apenas fazer bravatas dentro de um plano de se tornar líder do mundo árabe.
"É bem provável que Nasser já considerasse uma grande vitória se pudesse ter bloqueado o estreito e mantido tropas na fronteira sem realmente ir à guerra", escreveu Walzer.
A derrota, porém, foi um duro golpe para Nasser e para a ideologia do pan-arabismo, que promovia a unidade política e cultural do mundo árabe.
"Nasser era o líder árabe mais importante do momento. Era também muito carismático, mas a derrota em 1967 afetou dramaticamente sua reputação e mudou o balanço de poder na região", explica Sachs.
Especialistas como Stein veem a Guerra dos Seis Dias como o princípio do fim do pan-arabismo e uma das causas do surgimento de movimentos islâmicos radicais no mundo árabe.
Causa palestina
O resultado do conflito teve impacto direto na causa palestina, uma bandeira comum dos Estados árabes.
Sachs explica que, antes de 1967, a maior parte dos palestinos vivendo na Jordânia eram cidadãos deste país, pois os demais não concediam cidadania. Sendo assim, uma tema central eram os refugiados e seus descedentes, gente que vivera onde era Israel e que de lá tinha saído após a fundação do Estado judeu, em 1948.
"Depois da Guerra dos Seis Dias, os países árabes ficaram menos interessados em lutar pelos palestinos e mais preocupados em recuperar seu próprio território. Surge, então, um movimento palestino independente com causa nacionalista e que tenta buscar a atenção internacional."
Esse movimento recorreu a meios violentos para impulsionar a causa, como sequestros e atentados. Entre eles, o assassinato de 11 atletas israelenses durante as Olimpíadas de Munique, a Alemanha, em 1972.
Sementes da paz
No entanto, a guerra também abriu oportunidades para a paz entre Israel e outros vizinhos. O conflito tornou possíveis os acordos com Egito (1979) e Jordânia (1994), bem como as negociações falidas com a Síria.
"Antes de 1967 havia muito poucas oportunidades de negociação. Principalmente porque os Estados árabes esperavam derrotar Israel militarmente", afirma Sachs.
A derrota, porém, deu a Israel espaço de manobra. "Muitos países começaram a pensar de forma pragmática sobre como lidar com a existência de Israel."
Ainda assim, os Estados árabes fizeram nova tentativa de resolver as coisas à força. Em 1973, Egito e Síria atacaram Israel no Dia do Perdão, o mais sagrado do calendário judaico - o conflito durou três semanas. Mas Stein ressalta que a diplomacia acabou vencendo.
"Se Nasser não tivesse perdido o Sinai, o Egito, com o sucessor Anwar al Sadat, não teria que ter se esforçado para recuperá-lo, algo que só veio com a paz junto a Israel. Isso mudou a natureza do conflito."
A guerra também deu início a uma era de maior envolvimento dos EUA no Oriente Médio - tanto que Washington foi protagonista nas negociações de paz entre Israel, Egito e Jordânia.
E embora proteger Israel fizesse parte da política externa americana, até 1967 o principal provedor de armas para Israel, por exemplo, era a França.
"Agora Washington é referência quando se trata do conflito árabe-israelense", diz Stein.
Dilema interno
No terceiro dia da guerra de 1967, o exército israelense tomou o controle de Jerusalém Oriental, e o premiê Eshkol comentou que o país tinha "recebido um bom dote, mas uma noiva de que não gostava".
Foram palavras premonitórias.
"Na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental estão os lugares mais sagrados para os judeus, e isso mudou muita coisa em Israel. Fomentou o sionismo religioso em oposição ao secular, que havia predominado até então. Depois de 1967, havia quem visse nessa vitória uma 'intenção divina' de devolver os locais sagrados aos judeus", analisa Sachs.
"Isso teve um efeito dramático na política israelense, que começou a se concentrar mais nos territórios do que na economia e em outros assuntos."
Stein diz que Jerusalém se transformou em parte do debate.
"Conquistar Jerusalém teve um imenso impacto emocional. Tanto que, anos mais tarde, o Estado aprovou uma lei que declara a cidade como a capital eterna do povo judeu."
Desde então, o país se moveu ideologicamente do centro para a centro-direita.
Israel também ocupou o território do antigo protetorado britânico da Palestina, onde construiu assentamentos para seus prórpios cidadãos e gerou acusações de violações de direitos humanos e condenações por uma série de instituições, incluindo a ONU.
Para Sachs, a situação atual está em um limbo. "Se Israel incorpora a Cisjordânia a seu território, mudaria completamente o país, pois não teria uma maioria judia e criaria o risco de uma guerra civil."
A alternativa, na opinião do especialista, seria a retirada de Israel da Cisjordânia para permitir a criação de um Estado palestino. Só que iniciativas anteriores revelaram um problema de segurança.
"As tentativas de acordo de paz com os palestinos fracassaram. Quando Israel deixou voluntariamente a Faixa de Gaza, em 2005, o que conseguiu foi mais beligerância por parte do (grupo extremista) Hamas."
Deste modo, entre segurança e democracia, Israel enfrenta um dilema fundamental que, 50 anos depois da Guerra dos Seis Dias, ainda não sabe como resolver.
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