Dilma Rousseff viaja ao Chile para a posse da colega Michelle Bachelet nesta terça-feira
A presença da presidente Dilma
Rousseff na posse da colega Michelle Bachelet, do Chile, nesta
terça-feira, pode simbolizar a "reconstrução" da relação bilateral entre
os dois países, após um "período frio e distante" durante o governo de
Sebastián Piñera, segundo diplomatas e analistas chilenos ouvidos pela
BBC Brasil.
"Dilma deixou claro, durante a gestão de Piñera,
que não estava interessada nesta relação. Tanto é que ela chegou
diretamente para a posse de Bachelet e não para o dia da despedida do
presidente do cargo, nesta segunda-feira", afirmou um diplomata chileno,
sob a condição de não ter seu nome revelado.A publicação destaca que o Brasil continua sendo o principal destino das exportações e dos investimentos chilenos na América do Sul, mas descreve a visita de Dilma como "frustrante".
"(...) foi frustrante a rápida presença da presidente Dilma em sua última visita ao Chile e mais ainda será no dia onze de março, quando ficará apenas horas no país", afirma o editorial, publicado na semana passada.
Entre analistas, a interpretação foi a de que "os dois países tinham agendas diferentes". O Chile mantinha-se voltado para a Aliança do Pacífico (acordo comercial que envolve também Peru, Colômbia e México) enquanto a presidente Dilma "estava focada em questões internas ou no Mercosul".
Agora, há um consenso de que Dilma e Bachelet se reaproximam pela identificação política e por suas trajetórias, o que reduziria a distância entre os dois países.
'Bom sinal'
Segundo o analista de política internacional Guillermo Hozmann, professor da universidade de Valparaíso, a presença de Dilma na posse de Bachelet é "um sinal muito bom"."É verdade que a relação entre Dilma e Piñera foi fria e distante, mas acredito que esta nova etapa da relação, com Dilma e Bachelet, será mais intensa e interessante. As duas devem ter um diálogo mais direto e uma agenda mais próxima", disse Hozmann, em entrevista de Valparaíso.
Ele lembra que o novo chanceler chileno, Heraldo Muñoz, foi embaixador do Chile no Brasil (1994-1998), o que contribuiria ainda mais para essa aproximação.
"Ele conhece muito bem o Brasil e a região e acho que haverá maior aproximação com o Brasil e com o Mercosul, na gestão de Bachelet", afirmou o analista.
A analista recordou que o Chile apoia o Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas e que, além da agenda bilateral, os dois governos devem ter uma agenda internacional semelhante.
"Neste sentido, uma primeira pergunta é: o que vai acontecer com a Unasul, criada a partir do impulso brasileiro e que agora não tem secretário-geral e necessita ser revitalizada?", questiona.
Nesta quarta-feira, os ministros das Relações Exteriores da Unasul reúnem-se em Santiago para discutir a situação na Venezuela. O encontro é "impulsionado" pelo Brasil e pelo presidente venezuelano, Nicolás Maduro, como recordou Holzmann.
A analista política Marta Lagos, diretora da ONG Latinobarómetro, com sede em Santiago, acha que a expectativa é de que Bachelet terá maior aproximação com o Brasil, principalmente a partir de uma agenda interna comum.
"O combate à desigualdade social será central no governo de Bachelet. Pesquisas recentes mostraram que os chilenos entendem que o país está mais rico e desenvolvido, mas que essa riqueza é consolidada entre os que já são ricos enquanto os pobres não veem que suas vidas mudaram", disse Lagos, em entrevista de Santiago.
As promessas de Bachelet
Michelle Bachelet baseou sua
campanha prometendo reforma educacional, tributária e política. Seu
governo conta com maioria na Câmara dos Deputados e no Senado, mas
precisaria de dois votos da oposição no Senado para completar a maioria
absoluta, exigência, por exemplo, para a reforma política.O Chile mantém
em vigor a Constituição dos tempos de Augusto Pinochet (1915-2006) e
mudá-la é um dos principais compromissos de Bachelet junto ao
eleitorado.
Entenda os principais pontos de cada reforma:
Reforma educacional
: visa reformar o modelo atual,
ainda vigente no sistema público. No caso das universidades, muitas
famílias terminam endividadas com bancos ao contrair empréstimos para
que os filhos estudem. A educação gratuita é um dos principais motivos
dos seguidos protestos estudantis no Chile. Vários de seus líderes, como
Camilla Vallejo, do Partido Comunista, foram eleitos parlamentares e
apoiam a gestão de Bachelet. Os novos líderes disseram que estão
"atentos" às promessas de Bachelet sobre a educação gratuita.
Reforma tributária:
prevê o aumento de impostos para
o setor empresarial. Entre os empresários estão os que elogiaram e os
que criticaram a medida. Com a maior arrecadação, Bachelet pretende
implementar medidas que contribuam para reduzir a desigualdade social –
que está entre as maiores da região – e com os recursos abrir caminho
para a educação gratuita.
Reforma política:
o atual sistema é criticado
principalmente pelo chamado sistema binominal que consiste um sistema de
listas e de distribuição dos votos que dificulta que partidos menores
cheguem ou aumentem a representação no Congresso, segundo especialistas.
Segundo o governo de Piñera, a pobreza caiu e o país foi "praticamente reconstruído" nas regiões afetadas pelo histórico terremoto de 2010 – quando Bachelet deixava a presidência e Piñera assumia o posto. Aliados de Bachelet questionaram os dados oficiais e disseram que "muito mais poderia ter sido feito".
De volta à presidência
Médica, filha de um general que fazia parte dos quadros do governo Salvador Allende e morreu na prisão durante a ditadura de Augusto Pinochet (1915-2006), Bachelet foi presidente do Chile entre 2006 e 2010. Seu sucessor, Sebastián Piñera, de centro-direita, foi o primeiro presidente da oposição eleito após 20 anos (1990-2010) da Concertación (frente de centro-esquerda) no Palácio de la Moneda, sede da presidência chilena.Socialista, Bachelet foi eleita novamente para o cargo em 2013. Desta vez, amparada pela frente de centro-esquerda Nueva Mayoría, que manteve o Partido Socialista e a Democracia Cristiana, originais da Concertación, e acrescentou outras legendas como o histórico Partido Comunista, que retorna ao governo pela primeira vez desde a morte de Allende e o golpe de Augusto Pinochet, em 1973.
"O governo de Bachelet tem duas possibilidades: ser interessante por realizar as reformas estruturais necessárias no país ou ser insignificante por não conseguir tirá-las do papel", disse Lagos, da Latinobarómetro.
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