O auditório tem capacidade para mil pessoas, mas parecia conter muito mais gente.
E no voto direto, levantando as mãos, todas essas pessoas tomavam decisões sobre a sentença a ser aplicada aos guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) acusados de matar dois guardas indígenas da tribo nasa na região de Cauca, no sudoeste do país, na semana passada.
A primeira decisão foi a de sentenciar a 60 anos de prisão Carlos Silva Yatacué, suspeito de liderar o assassinato dos dois guardas, atingidos quando tentavam remover um pôster das Farc celebrando o terceiro aniversário da morte de seu ex-comandante, Alfonso Cano.
Outros quatro suspeitos - Arcenio Vitonas, Robert Pequi, Emilio Ilyo e Freiman Dagua - receberam penas de 40 anos por atirar nos guardas.
Já os dois últimos acusados, dois menores de 14 e 17 anos de idade, foram sentenciados a 20 chibatadas. Um punição ministrada ali mesmo, diante das câmeras.
Os menores também foram enviados a um centro de reabilitação, administrado pelos indígenas, e avisados de que receberão novas sentenças quando atingirem a maioridade.
Já os suspeitos maiores de idade cumprirão pena numa prisão comum, mas estarão sob tutela da Guarda Indígena da Associação dos Povos Indígenas ra região de Cauca.
O julgamento teve uma surpreendente aceitação por parte da população colombiana, que normalmente adota um posicionamento bastante crítico em relação à justiça indígena. Desde 1991, os povos indígenas têm ampla jurisdição sobre o que ocorre em seus territórios, direito garantido pela Constituição promulgada naquele ano.
"Nunca imaginei que a justiça indígena me deixaria tão admirada", escreveu no Twitter a ex-candidata presidencial do Partido Conservador, Marta Lucía Ramirez.
Justiça polêmica
O ex-diretor de Comunicações do governo colombiano, Juan Felipe Muñoz, foi além:
"Foi graças aos indígenas que os colombianos voltaram a acreditar em justiça".
Opiniões semelhantes foram veiculadas por cidadãos comuns e representantes de todo os setores políticos colombianos.
Mas não foi sempre assim.
O fato de as comunidades indígenas julgarem e punirem crimes diversos - que também têm punições previstas pela legislação ordinária do país - de acordo com seus próprios valores e costumes crimes, causam polêmica na Colômbia.
O mesmo se pode dizer do uso de castigos corporais, como as chibatadas.
Este "poder paralelo" indígena tampouco agrada algumas partes do establishment colombiano. Especialmente no que diz respeito ao posicionamento diante das Farc.
Em julho de 2012, por exemplo, a decisão de punir com chibatadas um grupo de guerrilheiros capturados na mesma região de semana passada rendeu críticas aos índios, que na mesma época tinham expulso soldados de sua terras.
Dentro da lei
A direita colombiana acusou os indígenas de simpatizar com as Farc.
No entanto, os nasa sempre se declararam neutros e exigiram a saída de grupos armados de seu território, sob a alegação de não querer ficar no fogo cruzado.
Sua visão de justiça está mais voltada para a reabilitação do que a punição. Por isso, preferem os castigos corporais ao encarceiramento.
E as chicotadas muitas vezes são combinadas com poções para ajudar na reabilitação.
Trabalhos comunitários também são outra medida de reabilitação utilizada.
No pior dos casos, a pena é a expulsão, algo que para os índios é um castigo inimaginável.
A única ressalva feita na Constituição de 1991 sobre o "poder paralelo indígena" é que ele não pode prevalecer sobre a lei colombiana.
O julgamento de domingo se encaixou perfeitamente na exigência: os acusados eram todos indígenas (da tribo nasa) e seus delitos foram cometidos em território indígenas.
Os territórios também contam com instituições tradicionais e claramente estabelecidas para exercer a autoridade, a mesma que os guardas tentavam exercer quando foram assassinados.
Sendo assim, a autoridade indígena parece estar sendo respeitada por ambos os lados do conflito na Colômbia: as Farc, além de lamentar a morte dos guardas, desautorizaram um comunicado emitido em seu nome e que ameaçava transformar os indígenas em "alvos militares".
Mas o julgamento de domingo também expõe os problemas vividos pelos povos indígenas colombianos. Principalmente a cooptação de jovens pelas Farc por falta de oportunidades.
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