O Fundo Monetário Internacional (FMI) recomendou nesta quarta-feira que o Brasil mantenha a sua "disciplina fiscal" neste ano eleitoral e, a partir de 2015, eleve a economia que faz para pagar suas dívidas, o chamado superávit primário.
A recomendação foi feita durante uma entrevista coletiva para apresentar o relatório Monitor Fiscal, que expressa preocupação com o efeito que um ciclo eleitoral movimentado, entre outros fatores, terá no desempenho fiscal dos países emergentes em 2014.
"O objetivo de responsabilidade fiscal que baseia o arcabouço fiscal do Brasil até agora oferece boa orientação. O Brasil deve manter este arcabouço e conservá-lo neste ano.""O Brasil anunciou um resultado fiscal de 1,9% (do PIB) em 2013 e a meta de 2014 em 1,9% também. No momento, o governo está expressando intenções de disciplina fiscal em 2014. Achamos que isso é importante e que é apropriado fazê-lo neste ano", disse o chefe de divisão do Departamento de Assuntos Fiscais do FMI, Julio Escolano.
A partir de 2015, disse Escolano, e no médio prazo, "o Brasil precisa estabelecer uma meta mais ambiciosa, voltando ao superávit primário que tinha antes, de 3%".
"Outros desafios específicos a serem enfrentados são a disciplina dos governos regionais (estados e municípios), que têm sido um fator importante de pressão sobre as finanças públicas; conter os empréstimos da União aos bancos públicos, o que é uma importante pressão no Orçamento; e não contar com itens excepcionais (que ajudam no financiamento das contas públicas)."
‘Erosão fiscal’
Além de Brasil, eleições ocorrerão na Indonésia, África do Sul, Turquia, Romênia e diversos países latino-americanos, africanos e do Oriente Médio, observou o relatório Monitor Fiscal, divulgado pelo Fundo durante as suas reuniões de Primavera.
Em vários desses países, pressão adicional virá da maior demanda popular por investimentos do governo e serviços públicos de qualidade – em muitos casos, na forma de protestos, como ocorre atualmente no Brasil.
Apesar do risco de tomar medidas impopulares, o FMI insiste em que os governos de nações emergentes enfrentem o que o Fundo chama de "erosão fiscal" após anos de política anticíclicas para combater a crise econômica.
No longo prazo, a questão é a sustentabilidade dos gastos com populações que envelhecem. Mas no curto prazo, o risco vem da recuperação nos países avançados, que deve atrair parte dos recursos que hoje estão estacionados nos países emergentes.
"A continuada erosão do espaço fiscal, junto com a volatilidade do mercado, coloca maior urgência na consolidação fiscal", alerta o Monitor Fiscal.
Turbulências
O relatório faz referência à turbulência gerada em meados do ano passado pelo Banco Central dos Estados Unidos (Fed), quando este deu indícios de que começaria a reduzir a injeção de dinheiro à sua economia. O episódio gerou a desvalorização de diversas moedas de países emergentes, inclusive do real.
"Embora os recentes episódios de turbulência no mercado não tenham sido gerados diretamente por desequilíbrios fiscais, uma elevada aversão ao risco e condições financeiras mais difíceis podem piorar a dinâmica das contas públicas na maioria dos países."
Em entrevista ao apresentar um outro relatório – sobre a estabilidade financeira global – o diretor do Departamento Monetário e de Mercados de Capitais do FMI, José Viñals, lembrou que a turbulência voltou a se repetir quando o Fed começou a retirar, de fato, os estímulos à economia americana, no início deste ano.
"Uma coisa muito importante tanto em maio do ano passado quanto em janeiro deste ano é que os mercados emergentes sujeitos a saídas mais fortes de capitais foram aqueles com fundamentos piores e políticas menos críveis", disse Viñals.
"Portanto eles (os países emergentes) precisam fazer o que for possível para elevar a sua resiliência."
"Nos países onde a dívida ainda é controlável, mas vem aumentando nos últimos anos, é necessário ação na política fiscal para elevar a credibilidade e reduzir vulnerabilidades fiscais em possíveis turbulências do mercado", recomenda o Monitor Fiscal.
Combate à inflação
No caso do Brasil, o Fundo também afirma que uma maior austeridade fiscal poderia ajudar a combater a inflação, que até o momento vem sendo enfrentada com um mix de políticas que privilegiou a elevação de juros, apontou o órgão em seu relatório macroeconômico divulgado na terça-feira.
Em termos fiscais, pelo contrário, o Brasil é citado, junto com a China e a Venezuela, como um dos países que praticam uma "atividade quase fiscal" – referência, no caso brasileiro, aos empréstimos do Tesouro aos bancos públicos, como o BNDES.
Segundo o FMI, essas atividades precisam ser "ajustadas" pois elevam os riscos contingentes ao orçamento e à dívida pública.
Nos últimos anos,o superávit primário do Brasil – a economia que o país faz para pagar as suas dívidas – caiu de 3,1% do PIB em 2011 para 1,8% nos 12 meses até fevereiro.
Durante a primeira década dos anos 2000, com o boom das commodities, essa economia havia sido ainda maior.
O FMI prevê um superávit primário para o Brasil neste ano de 1,9% do PIB, em linha com as previsões do governo. Para os próximos anos, a projeção é de 3,1% do PIB.
Empurrando com a barriga
A situação guarda semelhanças com vários emergentes, diz o FMI. "A maioria dos países continua a adiar a consolidação e alguns viram seus déficits deteriorarem", nota o Monitor Fiscal.
"As vulnerabilidades fiscais estruturais, embora ainda moderadas, aumentaram nas economias emergentes nos últimos anos."
Entretanto, o documento cita como como exemplo algumas experiências que considera positivas, como reforma fiscal no Chile, China, Malásia e México, e mudanças nos sistemas de benefícios na Bulgária, Hungria, Turquia e Ucrânia.
"Mas muitos países ainda precisam entrar nesse caminho", nota o relatório.
A expectativa é de que as condições financeiras para os países emergentes piorem no ano que vem, quando os Estados Unidos devem começar a elevar a sua taxa de juros, hoje próxima do zero - e em um cenário de menos receitas externas, por conta dos preços mais baixos das commodities.
O "chamamento para a ação" nos países emergentes contrasta com a rápida consolidação fiscal nos países desenvolvidos.
No ano passado, as medidas de austeridade ajudaram as economias avançadas a estabilizar seus níveis de dívida e reduzir e déficit fiscal para uma média de 5% do PIB – metade da média observada no pico da crise econômica, em 2009.
Porém, em alguns casos, os meios para tal fim foram controversos: no Reino Unido, os polêmicos cortes do governo do Partido Conservador e, nos Estados Unidos, a entrada em vigor de cortes de gastos e fim de isenções fiscais por falta de acordo político para evitá-los.
Já nos emergentes, o Fundo descreve as ações fiscais como "amplamente neutras".
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